15.7.11

Lennon/McCartney

Quando a conheci, a Puta encontrou o momento certo, respirou fundo e, com um encolher de ombros desafiante, disse: sabes, eu não ligo a Beatles. Respondi-lhe que , ao contrário dos tópicos de uma lista que lhe tinha feito chegar, isso não era uma condição eliminatória de um futuro feliz desta relação, e expliquei que, só neste caso (o caso é a banda, não é a miúda), não tenho sentido de missão evangélica, pelo que não seria eu a chatear-lhe os cornos.

A única doença que prolifera pela comunidade quando se fala nos rapazes, é a que leva uma quantidade desesperante de gente a afirmar que, com a idade, descobriram o melhor dos Beatles no George Harrison, uma declaração burra e preguiçosa que prova que a idade faz mal aos indivíduos.

A única consequência admissível (e expectável) da passagem dos anos é a paz com Paul McCartney, que deve ser devidamente odiado na juventude e perdoado por ser quem é alguns anos depois. Sempre com a consciência, claro, de que o erro esteve sempre do nosso lado.

True story


Paul McCartney - Drive my car

She said baby, it's understood
Working for peanuts is all very fine
But I can show you a better time.

Falar claro II

Sou da geração de setenta (gostamos tanto de dizer isto) e cresci a discutir no liceu se o melhor actor de todos os tempos seria o Pacino ou o De Niro. Hoje ninguém arrisca o chavão de melhor do mundo para qualquer um dos dois, que, por cansaço, se tornaram na canção perfeita que tocou vezes demais e não se pode agora ouvir. Claro que os gritos de um e as comédias do outro não estão a ajudar.

O melhor exemplo que já vi do que descrevi no post abaixo não está num filme de conversa, pelo contrário. Em Goodfellas, De Niro coordena um grupo de irresponsáveis após um assalto e somos informados que perdeu a paciência e que tomou a decisão de limpar o sebo àquela alimária por estes trinta segundos de silêncio e de Sunshine of your love.

14.7.11

Falar claro

Da mesma forma que ainda hoje se procura a canção pop perfeita, com I love you no refrão e três minutos de duração, boa parte da minha vida é passada à procura do filme de conversa perfeito. O género cinematográfico filme de conversa, que estranhamente nunca aparece nas listas, é aquele em que a única acção decorre de pessoas a conversar (a boa conversa tem sempre consequências narrativas). Já houve quem chegasse perto da perfeição como em Twelve Angry Men (pessoas a conversar numa sala de júri), Diner (pessoas a conversar numa mesa de café), ou Annie Hall (pessoas a conversar em filas de cinema ou enquanto cozem lagostas).

Em alguns casos, raros, se o autor souber o que está a fazer haverá uma cena em que ninguém abre a boca, quase sempre aquela em que se concretiza o que tememos ou desejámos e o plot thickens. Um desses momentos está em Igby Goes Down, um filme que tem em simultâneo o Gore Vidal no papel de um padre, o Kieran Culkin (gosto tanto deste rapaz) e a Amanda Peet, artista junkie, com algum excesso de problemas e ex-amante de Jeff Goldblum.

Este é o momento em que, depois de uma dolorosa ausência e de tudo o resto falhar, ela tenta uma última vez. Veste-se de esposa, deixa a pinta de artista do Soho no loft e combina um café. Precisamente as três coisas que ele não quer daquela mulher.

Gente da família

Before you begin hanging around with white people, you should know that all white humor comes from three sources: The Simpsons, Monty Python, and The Onion. [...]

O Stuff White People Like nunca me falhou, mas esta entrada reflecte-me melhor se a parafrasear um pouco: Toda a minha cretinice vem dos Simpsons, Monty Python e Larry David. Poucas qualidades me enternecem tanto quanto o empenho de alguém em evitar o cliché e não se levar a sério. O Curb Your Enthusiasm, o maior conjunto de cretinos desde, evidentemente, Seinfeld, está de volta e a iluminar as minhas tristes segundas-feiras, que são o inferno que são por, provavelmente, nunca me ter levado muito a sério.

12.7.11


Há uns anos a minha vida levou-me a saber muito sobre patentes e propriedade intelectual e achei bonito o acordo a que chegámos. Emociona-me quando as pessoas se organizam para abdicar de liberdades pelo bem comum. Emociona-me o Contrato Social, a Revolução Americana, ou o Estado de Direito.

No caso da propriedade intelectual, atalhando, chegou-se à conclusão que, em troca de se tornar determinada ideia pública, o seu autor é pago de cada vez que a mesma for usada por alguém. O segredo deixou de ser a alma de negócio excepto para a Coca-Cola, que prefere não ter patente sobre a receita e mantê-la secreta (mas tem patente sobre a garrafa, claro).

E daqui para os direitos de autor. Só há pouco (a propósito de uma banda de reformados que toca músicas de José Afonso) me apercebi da tristeza da situação do artista, ou da família do ex-artista, que não pode mais proibir que alguém, pagando, lhe reproduza a obra, seja com amplificação eléctrica ou flautas de Pã. Não pode proibir alterações à letra ou que seja cantada em implacável desafinação em programas de TV.

Entendo que era isto ou um fartar vilanagem de plágios, mas é um triste preço a pagar por não se poder confiar nas pessoas no geral.

Concluindo, Menina Limão (já chega de links), se nos estás a ler, não vale a pena chorar pelo blogue derramado. Estamos num mundo em que a propriedade é um dos Direitos Fundamentais, e o blogue é nosso, apesar de obra reconhecidamente tua. Se um dia achares que a Puta foi longe demais, podes sempre pedir-nos para tirar o teu nome ali de baixo, mas duvido muito que ela vá nisso. És um bocado nossa, também.

11.7.11

Queridos, mudei a casa!

A Menina Limão não tem rigorosamente rien a perdoar-me. Onde eu vivo é tudo cinzas e cocó e eu preciso de pink na minha vida.

7.7.11

Subgénero

"Não é decadente, é chato"

Aquilino Ribeiro, em 1926, sobre Jazz:

O jazz band costumava oferecer-se em espectáculo na feira de Alcântara, numa barraca de ripas e lona, miserável, rudimentar e cachaceiro. (...) Ninguém que se prezasse se dava ao desenfado de ir ouvir a música bárbara dos pretalhões e seus saracoteios obscenos. Não porque fosse interdita ao pudor; mas porque era apenas uma diversão sem graça nenhuma

Ilustração de decadência

Em Do Céu Caiu uma Estrela, um homem que alimentava o sonho de conhecer o mundo e ser dos que o mudam, vê-se preso por uma sucessão de infortúnios à sua pequena e chata povoação. Quando já tudo correu mal, considera o suicídio, momento em que um anjo lhe mostra como seria a vida na povoação e dos que lhe são queridos se ele nunca tivesse nascido. É uma fábula simples e bonita, embora a cidade que o anjo lhe mostre seja agora um corrupio nocturno de bares e estabelecimentos com música, uns bilhares e muita gente na rua, o que cria alguma dificuldade no cidadão contemporâneo em entender o horror que George Bailey experimenta quando passeia pelas ruas. A Puta, no entanto, não teria qualquer problema em entender a questão e também ela teria implorado ao anjo que lhe devolvesse a sua vida. Porque, sem excepção, em todos os bares de Pottersville, a cidade corrompida, se ouvia o swing instável de jazz tocado ao vivo.

6.7.11

Rock com traços de carácter #1 ou "Just because you are a character doesn't mean that you have character."

Como é do conhecimento geral, uma pessoa vai parar ao inferno se falar mal de Xutos e Pontapés, e Deus sabe que eu tentei fazê-lo. Sempre que consegui ir mais longe do que uma elevada indiferença por parte dos meus interlocutores, recebi de volta o argumento de que, sim, talvez não sejam os melhores do mundo, mas são uma banda honesta. Mais tarde, a ler um texto de Miguel Esteves Cardoso sobre o álbum Sandinista de Clash, lá estava outra vez o epíteto: uma banda honesta. Há muitas outras, normalmente em anúncios da Vodafone, de preferência com três ou quatro elementos e sem pretensões a mudar o curso do rock. Supõe-se que não é das qualidades morais dos homens que as compõem que se fala (não é costume falar-se de bandas honestas que contenham miúdas), mas do facto de não estarem aqui para enganar ninguém. Atendendo à regra universal da boa educação de que não se fala mal de quem que se antecipou na tarefa, ao fazê-lo, tornamo-nos nós próprios desonestos maus caracteres, por trazer argumentos como a qualidade musical para uma discussão sobre Xutos, afastando o debate do seu núcleo central. É como dizer que a Madre Teresa não era assim muito gira.